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Advogado, pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp e empresário em Comércio Exterior.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Da Constitucionalidade da Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar e Da Inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza de Logradouros Públicos.


Não podemos iniciar uma exposição sobre tão palpitante assunto sem primeiramente traçarmos, mesmo que em linhas gerais, o perfil do instituto jurídico da taxa no seu berço autorizativo, qual seja, a Constituição Federal, para, então, após uma análise do aspecto regulamentador exarado no CTN, bem como das hodiernas e pontuais considerações doutrinárias e jurisprudencial no trato do tema, tecermos as devidas distinções e conclusões.
Assevera, nossa Lei Maior, no inciso II de seu artigo 145, que as taxas poderão ser instituídas pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Diz, ainda, que tais taxas existirão “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.
Do que se depreende que tais tributos haverão de ter seu fundamento de validade através de duas manifestações estatais distintas, mas que no entanto convergem para o interesse público: poder de polícia e serviço público.
Deve-se notar que a manifestação de determinados serviços públicos da pessoa política, seja União, Estado, Distrito Federal ou Município, não necessita incorrer em efetiva utilização, bastando estar à disposição para servir de elemento à hipótese de incidência tributária, o que evidencia, por razões de interesse público, seu viés compulsório. De qualquer maneira, todo serviço público, seja ele efetivamente realizado ou oferecido de pleno a uma fruição potencial, deve ser, inquestionavelmente, específico e divisível para que possa ser custeado por taxa.
O CTN, no inciso II do artigo 79, preceitua serem serviços específicos aqueles que “possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou necessidades públicas”. E, no inciso III, aponta como divisíveis os serviços “quando suscetíveis de utilização, separadamente, por cada um dos usuários”.[1] Assim, como se pode notar, a divisibilidade seria decorrente da especificidade.[2] De tal sorte que podemos estreitar os conceitos dizendo que as taxas de serviço são prestadas ou oferecidas ut singuli, ou seja, para um número determinado de pessoas e, desta feita, por serem passíveis de separação em unidades reconhecidas de fruição, cobradas através da distinção do custo de execução do serviço.
Apresentam-se os serviços ut universi em contraponto aos serviços ut singuli. Segundo a lavra do saudoso Hely Lopes Meirelles, os serviços gerais ou ut universi são “aqueles que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços ut universi devem ser mantidos por impostos (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço”.[3]
Em recente manifestação de nossa Corte Maior, através do julgamento relativo à questão de ordem em Recurso Extraordinário 576.321 de 04/12/2008, assentou o STF a constitucionalidade da instituição de taxa de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo domiciliar.Com efeito, a Corte entende como específicos e divisíveis os serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, desde que essas atividades sejam completamente dissociadas de outros serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral (ut universi) e de forma indivisível, tais como os de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos (praças, calçadas, vias, rua, bueiros)”, prolatou o Sr. Ministro Ricardo Lewandowski. Apresentou, ainda, o eminente relator, proposta de criação de verbetes de súmula vinculante, do que decorreu, em momento ulterior, a aprovação em sessão plenária de 29/10/2009 da súmula vinculante nº 19.[4]
Destarte, seguindo a lógica apregoada, temos que as denominadas taxas de coleta de lixo domiciliar desfrutam de guarida constitucional por estarem subsumidas nos preceitos autorizadores e reguladores do indigitado tributo, ou seja, por se adaptarem às necessidades ou circunstâncias de indivíduos determináveis.
Por outro lado, a exigência coercitiva de valores em razão de serviços executados pelo estado na conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, em que pese sua indubitável essencialidade, corresponde a um interesse público geral, indeterminado, indivisível das necessidades coletivas. Tal entendimento vai ao encontro da chancela do estimado professor  Eduardo Sabbag, para quem a denominada taxa de limpeza dos logradouros públicos “trata-se de taxa que, de qualquer modo, tem por fato gerador prestação de serviço inespecífico, indivisível, não mensurável ou insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não podendo ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais”.[5]
Feitas tais considerações, sentimo-nos seguros em afirmar que as taxas exigidas exclusivamente pela execução de serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são consideradas imanentes de constitucionalidade em decorrência da especificidade e divisibilidade, quer se dizer, por se mostrarem ut singuli. Diferentemente das denominadas “taxas” cobradas em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos que, por se apresentarem dirigidas a uma fruição coletiva, a um aproveitamento por pessoas indetermináveis, distanciam-se do conceito autorizador de exação de tal espécie tributária irradiado pelo texto constitucional.

Referência bibliográfica:
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Regime Jurídico das Taxas Municipais. Ed. IBAM, 1982.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. Da Constitucionalidade da Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar e Da Inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza de Logradouros Públicos.

[1] Conforme anotação do célebre Prof. Ruy Barbosa Nogueira, "serviço específico necessário para a instituição da taxa é o suscetível de utilização individual pelo contribuinte e divisível é o destacável em unidade autônoma, inexistindo possibilidade de confusão com os serviços gerais. Serviço público que não possa ser individualizado também não pode gerar taxas". NOGUEIRA, Rui Barbosa. Regime Jurídico das Taxas Municipais. Ed. IBAM, 1982, páginas 30/31.
[2] É o que nos ilumina a compreensão, o ilustre professor Eduardo Sabbag, para quem “o serviço público, mostrando-se específico, será, necessariamente, divisível, manifestando-se este atributo como corolário daquele”. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva. 2ª ed., p. 413.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 33ª ed., p. 314.
[4] Súmula Vinculante 19 do STF:
“A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”.
[5] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva. 2ª ed., p. 417.

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