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Advogado, pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp e empresário em Comércio Exterior.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Juridicidade do ITCMD Progressivo.

Localiza-se o presente estudo acerca da juridicidade do ITCMD Progressivo dentro do contexto legal e jurisprudencial que informa nosso ordenamento jurídico vigente, mais precisamente atendendo-se ao disposto na Constituição Federal, na Resolução 9/92 e considerando a tendência atual de nossa Corte Maior, o STF.

Nossa ordem jurídica está alicerçada em um sistema normativo. O renomado professor Geraldo Ataliba (1968, p.19), em sua análise do sistema constitucional brasileiro, nos ensina que “o sistema normativo é o conjunto unitário e ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento comum”.

O sistema tributário nacional é regido por princípios constitucionalmente elencados, dentro os quais se destacam o princípio republicano, o princípio federativo e o princípio da igualdade. Assim, tais princípios são responsáveis pela sustentabilidade do sistema tributário, e por isso de chegar-se a dizer que desrespeitar um princípio é mais grave que descumprir uma simples norma, pois atingir-se-ia todo o sistema, podendo, inclusive, acarretar em seu desmoronamento.

Dos três princípios acima expostos surge, em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva que, consoante artigo 145, § 1 da CF/88, diz que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.

Nas palavras do eminente Roque Antônio Carrazza (2005, p. 37), “o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza”.

A efetivação do princípio da capacidade contributiva ocorre através da aplicação de alíquotas progressivas. Somente assim, aqueles que possuem capacidade contributiva maior contribuirão mais, da mesma forma que os que são menos favorecidos contribuirão de forma a se respeitar suas limitações. Portanto, quanto maior a base de cálculo, maiores deverão ser as alíquotas incidentes.

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, conforme preceitua o artigo 155, inciso I, da CF/88, é de competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal, e incidente sobre bens móveis e imóveis, na transmissão a título gratuito e causa mortis. A CF/88 prevê, ainda, que a fixação de suas alíquotas máximas compete ao Senado Federal (art. 155, § 1º, IV), deixando claro um espaço de discricionariedade do Estado e do Distrito Federal de fixar alíquotas respeitando-se o máximo estabelecido. Em cumprimento a tal determinação foi editada a Resolução 9, de 05.05.1992, que, contrariando o padrão internacional, a necessidade de superar as desigualdades sociais e mesmo a tradição brasileira com esse tributo, o Senado fixou em apenas 8% o limite do imposto.

Além do mais, em que pese a Resolução n.º 9/1992, editada pelo Senado Federal, haver assegurado a aplicabilidade do princípio da progressividade ao ITCMD, neste ponto não pode ser considerada, uma vez que extrapolou a competência trazida pela Constituição Federal, pois esta somente outorgou ao Senado a edição de resolução acerca da fixação da alíquota máxima para o ITCMD.

Mesmo assim, independente de previsão expressa, é plenamente aplicável e constitucional a progressividade às alíquotas do ITCMD, pois ao garantir-se tal aplicação estará se efetivando a vontade constitucional e assegurando os princípios republicano, federativo e, principalmente, da igualdade.

Argumentos contrários à aplicação de alíquotas progressivas ao ITCMD partem do fundamento da não existência de menção expressa à aplicação do princípio da progressividade ao ITCMD na Constituição, demonstrando ser esta uma análise extremamente literal do texto constitucional; e a outro, por tratar-se de imposto real, aos quais não seria possível aplicar o princípio da capacidade contributiva e por conseqüência o da progressividade, pela ausência do elemento pessoal.

Não se pode olvidar que a matéria tributária deve ser analisada dentro de um sistema constitucional, regido por princípios e premissas básicas que permeiam todo o conjunto de regras, não podendo desconsiderar-se um princípio fundamental do sistema tributário nacional simplesmente por ausência de expressa previsão legal. Ademais, a progressividade constitui-se em garantia à efetiva aplicação do princípio da capacidade contributiva, e, portanto, da igualdade.

A progressividade assegura a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte, constituindo-se em conseqüente lógico do princípio da igualdade e, portanto, dispensa qualquer previsão expressa. Nessa toada, o que se encontra expresso no texto constitucional é o empenho em se assegurar a igualdade, sendo evidente que uma medida que assegure esta igualdade é repleta de constitucionalidade.

Quanto a ser o ITCMD um tributo real, note-se que o § 1º do art. 145 da CF não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza tenham os impostos, sempre que possível, caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte, porém, isso não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade econômica, ou contributiva. Hugo de Brito Machado acertadamente assevera que os impostos reais (que consideram objetivamente a situação material sem levar em conta as condições do indivíduo que se liga a situação) também devem ser informados por este princípio, o qual constitui postulado universal de justiça fiscal.

Já Sacha Calmon Navarro Coelho assegura o caráter pessoal do tributo, afirmando que, além da transmissão de bens e direitos, o ITMCD traz consigo acréscimo ao patrimônio do beneficiário (seja ele herdeiro, legatário ou donatário), e que se não houvesse a tributação sobre a transmissão essa se daria na área do imposto de renda.

Esclarece José Souto Maior Borges que todo imposto traz consigo o caráter real e pessoal, uma vez que o caráter pessoal é indispensável para a constituição de uma relação jurídica tributário, a qual está presente em todos os impostos. Portanto, considera infundada tal classificação dos tributos em reais e pessoais, ante a necessária existência de relação jurídica.

Aliás, esse foi o raciocínio acarreado pelo senhor ministro do STF, o ilustre Eros Grau, que, em RE 562045/RS, salientou que o entendimento de que a progressividade das alíquotas do ITCD é inconstitucional decorre da suposição de que o § 1º do art. 145 da CF a admite exclusivamente para os impostos de caráter pessoal. Afirmou, entretanto, que todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, e que o que esse dispositivo estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. Ou seja, a Constituição prescreve como devem ser os impostos, todos eles, e não somente alguns. Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo. Aduziu, também, ser possível se aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD, pois, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderá expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta.

Concluímos afirmando ser não só juridicamente possível uma tributação progressiva do ITCMD como também medida central para o combate à desigualdade no Brasil, que ostenta níveis graves de desequilíbrio sócio-econômico. Visto que a concentração da renda limita as possibilidades de crescimento econômico, gera violência, fragiliza as instituições e compromete o sucesso de políticas públicas.




Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. A Juridicidade do ITCMD ProgressivoDisponível em: http://www.ferabeluci.blogspot.com/2010/08/juridicidade-do-itcmd-progressivo.html


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. São Paulo: Editora Forense, 2010.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Da Constitucionalidade da Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar e Da Inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza de Logradouros Públicos.


Não podemos iniciar uma exposição sobre tão palpitante assunto sem primeiramente traçarmos, mesmo que em linhas gerais, o perfil do instituto jurídico da taxa no seu berço autorizativo, qual seja, a Constituição Federal, para, então, após uma análise do aspecto regulamentador exarado no CTN, bem como das hodiernas e pontuais considerações doutrinárias e jurisprudencial no trato do tema, tecermos as devidas distinções e conclusões.
Assevera, nossa Lei Maior, no inciso II de seu artigo 145, que as taxas poderão ser instituídas pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Diz, ainda, que tais taxas existirão “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.
Do que se depreende que tais tributos haverão de ter seu fundamento de validade através de duas manifestações estatais distintas, mas que no entanto convergem para o interesse público: poder de polícia e serviço público.
Deve-se notar que a manifestação de determinados serviços públicos da pessoa política, seja União, Estado, Distrito Federal ou Município, não necessita incorrer em efetiva utilização, bastando estar à disposição para servir de elemento à hipótese de incidência tributária, o que evidencia, por razões de interesse público, seu viés compulsório. De qualquer maneira, todo serviço público, seja ele efetivamente realizado ou oferecido de pleno a uma fruição potencial, deve ser, inquestionavelmente, específico e divisível para que possa ser custeado por taxa.
O CTN, no inciso II do artigo 79, preceitua serem serviços específicos aqueles que “possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou necessidades públicas”. E, no inciso III, aponta como divisíveis os serviços “quando suscetíveis de utilização, separadamente, por cada um dos usuários”.[1] Assim, como se pode notar, a divisibilidade seria decorrente da especificidade.[2] De tal sorte que podemos estreitar os conceitos dizendo que as taxas de serviço são prestadas ou oferecidas ut singuli, ou seja, para um número determinado de pessoas e, desta feita, por serem passíveis de separação em unidades reconhecidas de fruição, cobradas através da distinção do custo de execução do serviço.
Apresentam-se os serviços ut universi em contraponto aos serviços ut singuli. Segundo a lavra do saudoso Hely Lopes Meirelles, os serviços gerais ou ut universi são “aqueles que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços ut universi devem ser mantidos por impostos (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço”.[3]
Em recente manifestação de nossa Corte Maior, através do julgamento relativo à questão de ordem em Recurso Extraordinário 576.321 de 04/12/2008, assentou o STF a constitucionalidade da instituição de taxa de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo domiciliar.Com efeito, a Corte entende como específicos e divisíveis os serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, desde que essas atividades sejam completamente dissociadas de outros serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral (ut universi) e de forma indivisível, tais como os de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos (praças, calçadas, vias, rua, bueiros)”, prolatou o Sr. Ministro Ricardo Lewandowski. Apresentou, ainda, o eminente relator, proposta de criação de verbetes de súmula vinculante, do que decorreu, em momento ulterior, a aprovação em sessão plenária de 29/10/2009 da súmula vinculante nº 19.[4]
Destarte, seguindo a lógica apregoada, temos que as denominadas taxas de coleta de lixo domiciliar desfrutam de guarida constitucional por estarem subsumidas nos preceitos autorizadores e reguladores do indigitado tributo, ou seja, por se adaptarem às necessidades ou circunstâncias de indivíduos determináveis.
Por outro lado, a exigência coercitiva de valores em razão de serviços executados pelo estado na conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, em que pese sua indubitável essencialidade, corresponde a um interesse público geral, indeterminado, indivisível das necessidades coletivas. Tal entendimento vai ao encontro da chancela do estimado professor  Eduardo Sabbag, para quem a denominada taxa de limpeza dos logradouros públicos “trata-se de taxa que, de qualquer modo, tem por fato gerador prestação de serviço inespecífico, indivisível, não mensurável ou insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não podendo ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais”.[5]
Feitas tais considerações, sentimo-nos seguros em afirmar que as taxas exigidas exclusivamente pela execução de serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são consideradas imanentes de constitucionalidade em decorrência da especificidade e divisibilidade, quer se dizer, por se mostrarem ut singuli. Diferentemente das denominadas “taxas” cobradas em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos que, por se apresentarem dirigidas a uma fruição coletiva, a um aproveitamento por pessoas indetermináveis, distanciam-se do conceito autorizador de exação de tal espécie tributária irradiado pelo texto constitucional.

Referência bibliográfica:
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Regime Jurídico das Taxas Municipais. Ed. IBAM, 1982.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. Da Constitucionalidade da Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar e Da Inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza de Logradouros Públicos.

[1] Conforme anotação do célebre Prof. Ruy Barbosa Nogueira, "serviço específico necessário para a instituição da taxa é o suscetível de utilização individual pelo contribuinte e divisível é o destacável em unidade autônoma, inexistindo possibilidade de confusão com os serviços gerais. Serviço público que não possa ser individualizado também não pode gerar taxas". NOGUEIRA, Rui Barbosa. Regime Jurídico das Taxas Municipais. Ed. IBAM, 1982, páginas 30/31.
[2] É o que nos ilumina a compreensão, o ilustre professor Eduardo Sabbag, para quem “o serviço público, mostrando-se específico, será, necessariamente, divisível, manifestando-se este atributo como corolário daquele”. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva. 2ª ed., p. 413.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 33ª ed., p. 314.
[4] Súmula Vinculante 19 do STF:
“A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”.
[5] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva. 2ª ed., p. 417.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sob a Proteção Divina e da Constituição da República Federativa do Brasil.


Sob a proteção de Deus tornamos pública nossa Constituição Federal. Ao menos essa é a afirmativa que nós, brasileiros, bradamos no preâmbulo da Carta Magna de 1988.

Asseveramos no artigo 5º, caput, com a veemência inerente de cláusula pétrea, que todos são iguais perante a lei e que nenhuma distinção, seja ela qual for, será interposta entre seus destinatários e aquela igualdade, com o fito de solapá-la.

Alí, em nosso documento maior, ainda em seu artigo 5º, enaltecemos a liberdade de consciência e de crença, dizendo sê-las invioláveis. Asseguramos o exercício, livre de interferências, dos cultos religiosos e garantimos, até mesmo, proteção aos locais onde se realizam seus ritos. Garantimos, também, a prestação de assistência religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva, como são exemplos hospitais, forças armadas e estabelecimentos prisionais. E ninguém será destituído de direitos por motivo de crença religiosa – ou de convicção filosófica ou política –, a não ser que a invoque para escusar-se de obrigação por lei a todos indistintamente imposta e recusar-se a cumprir, sem justificativa ou motivo bastante, prestação alternativa que venha a ser fixada em lei.

No capítulo destinado à educação, dispomos no artigo 210 de nossa Lei Maior que, no ensino fundamental, uma formação básica dos valores religiosos será assegurada através da fixação de conteúdos mínimos, de cunho não obrigátorio.

E, no artigo 19, com o intuito de mantermos uma neutralidade nas manifestações Estatais quanto a assuntos religiosos, achamos por bem proibir todas as pessoas jurídicas de direito público interno – e, com isso, seus órgãos, fundações e autarquias – de qualquer ato cuja intenção seja a de instituir ou subsidiar determinados cultos religiosos ou igrejas, assim como vedamos, com a mesma exaltação, qualquer imposição que venha dificultar o regular funcionamento deste ou daquele culto religioso ou desta ou daquela igreja, sem que haja relevante justificativa legal. Estabelecemos ali, ainda, que tal vedação deve estender-se, inclusive, quanto a ato que represente uma dependência ou aliança entre a pessoa jurídica de direito público interno – ou órgão, fundação ou autarquia a ela vinculados – e qualquer entidade religiosa ou seus representantes.

O que queremos dizer é que somos uma pluralidade de conceitos e manifestações religiosas e metafísicas. Erigimos a tolerência multi-existencial de crenças no Texto Constitucional não como um ideal a se seguir em detrimento de um favoritismo mesquinho e particularizado a uma determinada forma de pensar ou crer, mas sim como um mandamento legal, uma imposição de agir sem preconceitos ou discriminações.

Todos são livres para eleger a compreensão suprassensível da realidade de maneira que achar mais conveniente às suas convicções. Todos são livres, ainda que para optar pela absência de crença ou credo. E para enaltecer essa liberdade, assegurá-la, nutri-la, honrá-la, fizemos por bem manter uma neutralidade inequívoca em toda a extenção do texto de nossa lei maior. Ao afirmarmos, sob o manto da imparcialidade, uma proteção divina, fizemos a escolha por um Estado Laico em oposição à constituição de um Estado Teocrático, como é o caso, por exemplo, do Irã, que prega vínculo ao islamismo, e do Vaticano, que mantém aliança com o catolicismo, todos com a característica de forte influência religiosa nos atos políticos de seus representantes.

O laicismo manifesta-se justamente pela separação do que é do Estado e do que é da igreja – ou comunidade religiosa. Dizer-se laico – um Estado – é afirmar que suas decisões não são guiadas pela influência de uma ou outra religião, credo ou culto. Dizer-se laico é exaltar a liberdade de consciência, a igualdade entre cidadãos em matéria religiosa, e a procedência, humana – em oposição a uma origem divina – e democraticamente estabelecida, das leis do Estado.

Desta maneira, atos como a ostentação de crucifixos em salas de aula de escolas públicas, livros sagrados em fóruns e cortes de julgamento, símbolos que determinam a adesão a uma determinada religião em repartições e setores públicos, por mais natural e bem intencionado que se possa parecer, traz uma tendenciosa mensagem que não coaduna com a neutralidade que se impõe pelo texto constitucional.

Aqui não se prega a abstenção de religiosidade àqueles que ocupam cargos ou funções públicas, mas o comprometimento a uma atuação comedida e nos termos exarados no ideal constitucional de neutralidade e imparcialidade e em seus mandamentos, como vistos anteriormente.

Numa democracia, as pessoas são livres para exprimir qualquer opinião. Entretanto, o mesmo não se pode dizer dos prédios, setores e repartições públicas.

Bibliografia:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. Sob a Proteção Divina e da Constituição da República Federativa do Brasil.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A alteração da data de pagamento do tributo deve respeitar o princípio da estrita legalidade tributária?



Por Adriano Beluci Correa Santos Gregorio


Antes de firmarmos uma ou outra resposta, mister se faz erigir certos conceitos legais e doutrinários para que, através de um caminho de conhecimento, sejamos imbuídos de elementos bastantes ao esclarecimento da possibilidade teórica a que ora nos debruçamos.

“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, assim nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inc. II, estabelece um dos mais importantes princípios do Direito – a legalidade. Sua importância decorre do fato de que encontra-se atado ao próprio Estado Democrático de Direito, sendo dele elemento indissociável ou, ainda, como nos ensina Celso Ribeiro Bastos[1], “não há Estado de Direito sem o princípio da legalidade.”

Assim, como elemento balizador do poder, vem o princípio da legalidade inscrito no texto Constitucional garantir segurança jurídica e patrocinar equilíbrio social, principalmente quanto àqueles atos administrativos cuja discricionariedade de atuação é regra, pois até mesmo o espaço reservado à liberdade de atuação discricionária deve encontrar fronteiras na previsão legal, sob pena de não estar revestido de validade jurídica.

No campo específico do Direito Tributário, exsurge o art. 150, inc. I, da CF/88, asseverando que, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Pontes de Miranda nos ilumina a compreensão dizendo que a manifestação mais legítima do princípio da legalidade no campo tributário reflete-se na constatação de o povo tributar-se a si mesmo. É corolário do Estado de Direito exigir-se daqueles que detêm o poder o comprometimento às regras estabelecidas em parlamento – enquanto centro legítimo de emanação da vontade popular –, principalmente naquilo que concerne a uma obtenção forçada de bens, refletindo-se na compulsoriedade de abastecer os cofres públicos com as economias particulares dos indivíduos que compõem dada sociedade.

É o poder de soberania do estado que dá fundamento ao exercício de cobrança compulsória e inescusável de prestações em dinheiro, ou em valor que nele possa exprimir-se, ao qual o contribuinte está obrigado devido a uma manifestação de capacidade econômica.

O princípio da legalidade encontrado no artigo 5º, inc. II, da CF/88, por ser genérico e abstrato, não deve se confundir com a reserva legal ou estrita legalidade estabelecida, em matéria tributária, no artigo 150, inc. I, da CF e no artigo 97 do CTN. Aqui o legislador especifica a matéria a ser objeto de lei e determina a via normativa que deverá veicular determinados assuntos, implicando a reserva absoluta de lei, de modo que devem os elementos que constituem a regra matriz de incidência tributária derivarem, não apenas de base legal, mas diretamente através de lei.

Nosso CTN, especificamente sobre o vencimento da obrigação tributária, preceitua que “quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.”[2] Como se sabe, o CTN expressamente conceituou legislação tributária no art. 96, incluindo-se na expressão os decretos do executivo e as normas complementares às leis, aos tratados, às convenções internacionais e aos próprios decretos. Deste modo, vem o Poder Executivo, através de atos infralegais, firmando, ou mesmo, alterando, a sua discrição, a data que o tributo deverá ser recolhido aos cofres públicos.

A possibilidade de alteração de data de pagamento de tributo por instrumento infralegal tem tido respaldo jurisprudencial do STJ e do STF.[3] Chegando o STF a expedir súmula posicionando-se, até mesmo, pela não sujeição do prazo de pagamento ao princípio da anterioridade.[4]

Tal direcionamento da jurisprudência de nossos tribunais baseia-se no entendimento de que o prazo de vencimento do tributo não é elemento da norma que institui o tributo, ou seja, não constitui elemento da hipótese de incidência, de maneira que sua fixação independeria de lei em sentido estrito. Assim, apontam que a alteração do prazo de recolhimento do tributo não afeta, por exemplo, o seu fato gerador, a sua base de cálculo ou a alíquota aplicável, de modo que não haveria, então, necessidade de manifestação legislativa disciplinando a situação.

Os defensores desse posicionamento prelecionam, ainda, que o artigo 97 do CTN seria abrigador de numerus clausus[5], relacionando taxativamente, ou seja, de modo exaustivo, as matérias que devem obediência à reserva legal, não fazendo menção alguma à data de vencimento.

Em brilhante oposição a esse entendimento, o professor Hugo de Brito Machado[6] nos esclarece que o prazo de pagamento deve, sim, ser objeto de lei em sentido estrito, pois esta “deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária”. “Especialmente quando se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação, em que o pagamento é antecipado pelo contribuinte”, diz o renomado mestre. Essa também é a intelecção do ilustre Sacha Calmon Navarro Coêlho que afirma sempre ter estado em desacordo com os dizeres do art. 97 do CTN, por este não incluir nas matérias reservadas à lei o prazo para pagar.[7]

Tendo em mente que nem tudo acha-se minuciosamente descrito em nosso CTN a fim de coibir a apetite arrecadadora do estado ou impedir certas determinações que, modificando de súbito o universo jurídico que orbita a regra matriz de incidência tributária, venham causar prejuízos ao contribuinte, certas considerações devem ser levantadas.

Como não considerar a data de pagamento do tributo um elemento da relação jurídico-obrigacional tributária se é exatamente com sua fixação – e consequente adimplemento – que a relação obrigacional dá-se por finalizada? Na sua ausência, fato gerador, base de cálculo, alíquota, entes tributante e tributado, todos arrastariam sua existência indefinidamente no tempo, mesmo que sua forma, ou modo de extinção – seja pelo pagamento, compensação, transação, remissão ou qualquer outro meio disposto ao longo do artigo 156 do CTN – também tenha sido previamente estabelecido. Tão importante quanto precisar o nascedouro da obrigação tributária, através de lei, é definir por completo sua extinção. Tanto é assim que o próprio CTN, em seu artigo 97, diz, claramente, que “somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção”.

De todo o exposto, em que pesem as bem intencionadas teorias em contrário, somos levados a concluir que as alterações de data de pagamento não podem ocorrer através de ato infralegal devido ao fato do tempo de cumprimento da obrigação tributária caracterizar-se como elemento essencial da regra matriz de incidência, devendo, desta forma, sua existência estar indiscutivelmente sob o manto da estrita legalidade, sob pena de se ter por aviltado a segurança jurídica das relações em sociedade e o próprio cerne do Estado Democrático de Direito.


Bibliografia:

Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2º Volume, Ed. Saraiva, 1988-1989

Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Ed. 21ª. Malheiros Editores, 2006.

Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 17ª. Ed. Saraiva, 2005.

Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. 9ª. Ed. Forense, 2007.

Costa, Alcides Jorge. Da Extinção das Obrigações Tributárias. São Paulo. Limitada. USP, 1981.

Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Ed. 27ª. Malheiros editores, 10.2006.

Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição à Luz da doutrina e da jurisprudência. Ed. 11ª. Livraria do Advogado Editora. ESMAFE, 2009.




[1] Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2º Volume, Ed. Saraiva, 1988-1989. Pg. 24.
[2] Artigo 160 do Código Tributário Nacional. Lei 5.172/66.
[3] REsp 55.207 e 55.537; RE 203.684, 173.294, 140.669 e 195.218.
[4] Súmula 669 do STF: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.
[5] Entre aqueles que defendem que o rol do artigo 97 do CTN é numerus clausus, temos o célebre Alcides Jorge Costa. Da Extinção das Obrigações Tributárias. São Paulo. Limitada. USP, 1981.
[6] Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Ed. 27ª. Malheiros editores, 10.2006. Pg. 58.
[7] Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. 9ª. Ed. Forense, 2007. Pg. 798.


Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. A alteração da data de pagamento do tributo deve respeitar o princípio da estrita legalidade tributária?